sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Sobre o terrorismo financeiro


"Um canhão pelo cú" é o título de um texto de Juan José Millás publicado na semana passada no El País


Aviso: contém linguagem que pode ser considerada ofensiva.


 


 

Um canhão pelo cú

Se percebemos bem - e não é fácil, porque somos um bocado tontos -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.

Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.

Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas - e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.

Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.

A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país - este, por acaso -, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.

Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública - onde estas ainda existem - os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres.
E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.

Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.

A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.

A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.

Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.

Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.

Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.

Juan José Millás

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A "ajuda".


Faz mais de um ano que Portugal tem sobre si um plano de ajuda, que de ajuda não tem nada, veja-se os juros agiotas que nos estão a ser cobrados, e a receita da troika aceite pelos partidos do arco do governo não melhorou em nada a vida dos portugueses nem a situação económica do país. Pelo contrário.
Aliás o que está a acontecer em Portugal tem muitas similitudes com o que a Grécia passou há cerca de um ano.
É de todo impossível colocar uma economia a crescer quando o setor produtivo de um país não existe. Quando se escolhe o caminho da financeirização da economia, onde o dinheiro cria mais dinheiro sem passar pelo setor produtivo, o que acontece é um definhamento dessa mesma economia, um PIB que cai e um número de desempregados sempre a subir.
Não se pode pretender que a economia cresça, quando os salários não aumentam, quando os impostos diretos e indiretos cada  vez sufocam mais os trabalhadores e quando o número de desempregados aumenta a cada dia que passa e quando o PIB cai a pique conforme comprovam os dados do INE referentes ao 2º trimestre deste ano.
Não é com políticas como as que estão a ser seguidas que se vai criar emprego e pôr a economia a crescer, como dizem estes senhores que nos estão a desgovernar.
É imperioso, e agora já vários setores e comentadores falam nisso, que se renegoceie os prazos e os juros da dívida que não foi criada pelos trabalhadores portugueses, mas sim pelos nababos da nossa sociedade, que, crise após crise do sistema capitalista, eles ficam mais ricos e os pobres mais pobres.
Este governo vangloriou-se de um facto completamente hipócrita ao afirmar que cobrou uma taxa de imposto na ordem dos 7,5% á fuga de capitais para o estrangeiro. Ora para quem trabalha por conta de outrem, o estado cobra em impostos diretos cerca de 43,5% além de todos os outros impostos, como o iva que temos que pagar. Este governo é o Robin dos Bosques mas ao contrário. Rouba aos pobres para dar aos ricos.
Este governo está a alienar a nossa soberania aos interesses agiotas dos mercados financeiros internacionais. Estes mercados, sejam eles o que forem e quem forem, vivem da miséria e da desgraça dos povos...
Olhem para o que se passou e passa na Grécia.
Como dizia a canção do Zeca Afonso, o povo é quem mais ordena.
Por isto sugiro aos portugueses que acordem!

Acordemos!

Paulo «sopas» Amaral